segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Direito à diferença (por João Winck)


07/08/2010 - Opinião1 (Jornal da Cidade)
Direito à diferença

A Associação Bauru pela Diversidade está fazendo com a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) o que todas as outras comunidades deveriam fazer: propor leis, debater com a sociedade, politizar e qualificar temas legislativos, sobretudo em ano eleitoral, relativos aos cidadãos cujos direitos vêem sonegados, mas os deveres exigidos.

Sabemos que o preconceito, a intolerância e a violência não são problemas que afetam apenas aos homossexuais. São questões transversais à sociedade, que dizem respeito à falta de cultura, educação, saúde e segurança pública, sem falar no acesso democrático ao mercado de trabalho, à distribuição de renda e, especialmente, à falta de direitos constitucionais.

O preconceito gera a intolerância que, exacerbada, deriva em violência. Qualquer tipo de discriminação é ato violento. Sabem muito bem disso os pobres, os negros, as mulheres, os idosos, os estranhos, os adolescentes, os portadores de necessidades especiais, os gays e lésbicas, os gordos, os lunáticos, as loiras, sem contar os indesejados, as crianças violentadas e outras populações de “menor” expressão numérica, embora ainda vivas.

Para que a lista dos que sofrem algum tipo de preconceito não seja muito extensa, pois, somados formam a esmagadora maioria da população, um único grupo social não é discriminado: aquele que serve de modelo inatingível de sociedade patriarcal adâmica. Somente o macho, branco, senhor do paraíso, de glamour olímpico e pedagógico, endeusado desde a Grécia antiga, é plenamente aceito na sociedade. No fundo sabemos que se trata de um boçal improdutivo, explorador, cruel e perigoso. Afinal, essa figura mítica e estéril só existe em sua pureza sexual e de gênero no ideário dos opressores. Aqui na Terra todos nós somos pelas metades, errantes, tortuosos, à procura do outro perdido.

Que me perdoem as breves palavras dedicadas a assunto tão complexo, mas podemos até sonhar com a pureza, contudo nunca seremos puros por inteiro. Tudo na natureza é feito de mesclas e arranjos, alguns dos quais fogem à compreensão e justeza humanas. A divina soma de cromossomos masculinos e femininos jamais repete seus resultados. Nas contas da natureza a determinação é regra geral que se quebra a todo instante. Somos todos divinamente diferentes na nossa igualdade mundana. Nunca totalmente homens, tampouco mulheres totais. Somos matiz equilibrado da soma de metades de metades, diz a genética. Na mistura, nem sempre se somam partes iguais. É a divina dosagem do acaso que multiplica as diferenças de gêneros. É dessa baderna maravilhosa e misteriosa, tão desigual entre os sexos, que surgem os preconceitos e distúrbios emocionais entre os infelizes falocratas de plantão.

Embora persista muita controvérsia sobre a origem da homossexualidade - se genética, se comportamental, se ambiental ou se a soma desequilibrada de todas elas -, nada pode justificar a tentativa de sua aniquilação enquanto fenômeno sociológico, já que não se pode evitar a existência do fato biológico da criação, à revelia de qualquer exegese teológica ou mística. Uma coisa é não ter orientação, não gostar, não concordar, não crer e, por isso, ter garantido o sagrado direito de não querer partilhar da mesma verdade. Isso é respeito à diferença. Outra coisa muito distinta, que em termos técnicos denomina-se vício de iniciativa, é ter assegurado o direito de anular, excluir, proibir, professar publicamente o ódio e incitar à intolerância aos homossexuais, ou negros, ou mulheres, ou isso ou aquilo. Tal atitude se chama tirania.

Vamos protestar contra esse ideário sim. Nós, que somos diferentes e que amamos iguais, estamos apenas cumprindo com o nosso dever de cidadãos e cidadãs em ocupar a Câmara de Vereadores e protestar contra o descaso dos nossos representantes. E todas as comunidades deveriam brigar pelo combate eficiente à violência contras seus princípios e bens de direito. Por pressuposto democrático, nem deveríamos carecer de protesto ou briga contra a intolerância, pois ela é totalmente irracional e fútil numa sociedade civilizada.

A discriminação é atitude antidemocrática, vilã que não partilha nenhum sentimento de solidariedade ou dó com suas vítimas, tampouco é digna dos que pregam a fé no bem ou na justiça, seja a divina ou a humana. Gente que pensa assim jamais poderia ser nossos representantes, tampouco nossos irmãos.

Ninguém, nem mesmo o pai, o padre, o professor, o patrão ou o político tem o direito de discriminar a intimidade de alguém e tentar anular a sua identidade enquanto ser humano.

O fim do preconceito começa na família, educando os filhos e filhas a terem direitos e oportunidades iguais. Acolhedora, a escola deveria formar cidadãos igualitários, justos e tolerantes. O bem público não deveria ser repatriado entre os maus, que cismam legislar em infrutíferas causas egoístas. Nos púlpitos, a palavra deveria ser pela condescendência aos seus excluídos...

Por fim, sem, contudo, dar por encerrada a discussão, se Deus fosse mãe, provavelmente entenderia e aceitaria melhor os seus filhos e filhas, mesmo se fossem gays, ou portadores de síndrome de Down, ou ateus, artistas, danados, mestiços, ou mutantes verdes com escamas, isso não importa! São frutos do mesmo amor incondicional, ou não?

O autor, João Winck, é conselheiro da ABD, mestre em Educação, doutor em Comunicação e professor na Unesp de Bauru - e-mail: winck@uol.com.br

João Winck para o Jornal da Cidade

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